terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Tantra - Algumas Definições



O tantra propõe incorporar todas as ações, todos os pensamentos, todas as emoções, no caminho. Nada em si é puro ou impuro, bom ou ruim, mundano ou transcendente; as coisas só aparecem para nós destes modos por causa das idéias pré-concebidas. No sistema do tantra, qualquer ação — até mesmo andar, comer, defecar ou dormir — pode ser incorporada ao caminho espiritual.
(John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)

 
De acordo com a tradição, os tantras foram abertos pela primeira vez para o rei Indrabodhi [de Uddiyana]. Um dia, o rei estava na sacada de seu palácio quando avistou o Buddha voando com o seu séqüito de arhats. O rei Indrabodhi perguntou a seu ministro quem eram esses extraordinários seres e se aceitariam um convite para almoçar em seu palácio. O rei então ofereceu uma bela refeição ao Buddha, que por sua vez lhe deu um ensinamento sobre a renúncia aos apegos mundanos. O rei ouviu com atenção, mas ao final perguntou se o Buddha poderia oferecer um ensinamento que não requeresse a renúncia aos seus deveres de soberano, seus prazeres ou sua riqueza. "Sou um rei", disse ele, "e centenas de milhares de súditos dependem de mim. Não posso abandonar minhas responsabilidades." O Buddha, em sua onisciência, reconheceu que o rei Indrabodhi tinha karma para praticar o Vajrayana e, algum tempo mais tarde, abriu a mandala de Guhyasamaja para ele, aparecendo no céu como a deidade e séqüito e concedendo iniciação e ensinamentos. O rei praticou tão bem que tanto ele quanto seus súditos atingiram a iluminação.
(Chagdud Khadro, Práticas Preliminares do Budismo Vajrayana)

 
[O] verdadeiro significado da palavra [tantra] é "continuidade", no sentido de que apesar de todos os fenômenos serem vazios, ainda assim eles continuam a se manifestar. Todos os métodos tântricos trabalham com esta continuação, tomando a vacuidade de todos os fenômenos — com a qual os os sutra trabalham — como sua premissa básica.

(Chögyal Namkhai Norbu, The Crystal and the Way of Light)


Enquanto o ensinamento básico do buddhismo Mahayana refere-se ao desenvolvimento da sabedoria, o conhecimento transcendente, os ensinamentos básicos do tantra estão ligados ao trabalho com a energia. A energia é descrita no Vajramala Kriyayoga Tantra como "aquilo que habita no coração de todos os seres, a simplicidade que existe por si mesma, o que mantém a sabedoria. Essa essência indestrutível é a energia da grande alegria e permeia tudo, como o espaço. Este é o corpo dhármico da não-fixação". De acordo com esse tantra, "Esta energia é o sustentáculo da inteligência primordial que percebe o mundo dos fenômenos; é a energia que impulsiona tanto os estados iluminados quanto os estados confusos da mente. É indestrutível, no sentido de estar constantemente em marcha. É a força motriz da emoção e do pensamento no estado confuso, e da compaixão e da sabedoria no estado iluminado". [...]

A sabedoria tântrica traz o nirvana ao samsara. Isso pode parecer um pouco chocante. antes de alcançar o nível do tantra, tentamos abandonar o samsara e nos esforçamos par alcançar o nirvana. mas, no fim, temos de compreender a inutilidade de nos esforçarmos e então, nos tornamos completamente unos com o nirvana. Para captar realmente a energia do nirvana e nos tornarmos unos com ele, precisamos de uma parceria com o mundo ordinário. Por isso, a expressão "sabedoria ordinária" é muito usada na tradição tântrica.

(Chögyam Trungpa, Cutting Through Spiritual Materialism)


Os métodos tântricos permitem lidar diretamente com as delusões e emoções conflitantes. De fato, as delusões que devem ser abandonadas e os diversos tipos de qualidades espirituais que precisam ser cultivadas são vistas como os dois lados da mesma moeda, ao invés de serem dois tipos de experiência completamente opostos. Por isso, o sistema tântrico também pe chamado "tradição esotérica" — não por conter alguma coisa que precise ser mantido em segredo, mas sim porque a prática do tantrismo requer que o praticante tenha certos atributos. Em um certo sentido, é preciso ter alguma habilidade para praticar o tantra, senão sua prática não trará nenhum benefício. Os ensinamentos tântricos são mantidos em segredo até certo ponto — não porque o seu conteúdo não deva ser revelado, mas sim porque muitas pessoas são incapazes de compreendê-los. [...] O objetivo da prática tântrica é atravessar o abismo entre o consciente e o inconsciente, o sagrado e o profano, e todas as outras dualidades.
(Traleg Kyabgon Rinpoche, The Essence of Buddhism)


O tantra é um caminho de transformação da não-iluminação [ignorância] e das emoções como a essência búddhica e as virtudes búddhicas. Mas isto não é uma transformação de algo em outra coisa, de ferro em ouro, como alguns eruditos recentemente entenderam; é transformar, purificar ou aperfeiçoar algo que está maculado para o seu próprio estado verdadeiro. [...] [O]s sutras e tantras não diferem quanto à visão da vacuidade, a verdade absoluta, mas suas diferenças estão na visão das aparências, a verdade relativa.
(Tulku Thondup, The Practice of Dzogchen)


[Resumidamente, os tantras buddhistas diferem dos tantras hindus] tanto na ação quanto na filosofia. Em termos de ação, o tantra buddhista é baseado na motivação de bodhichitta [a mente altruísta que visa alcançar a iluminação para beneficiar a todos os seres], enquanto o tantra hindu não [tem esta motivação]. Em termos de filosofia, o tantra buddhista é baseado na teoria do anatman, ou não-eu, enquanto o tantra hindu é baseado na teoria de um eu verdadeiramente existente [atman]. Outras yogas, como exercícios de respiração e práticas com chakras [centros de energia do corpo] e nadis [canais de energia do corpo] têm muitas similaridades e diferenças sutis.
(Dalai Lama, When the Iron Bird Flies)



Sem bodhichitta, os ensinamentos sobre a visão e a meditação, por mais profundos que possam parecer, não serão de qualquer utilidade para atingir o estado búddhico perfeito. As práticas tântricas como o estágio de geração, o estágio de perfeição e assim por diante, quando praticadas dentro do contexto da bodhichitta, conduzem ao estágio búddhico completo em uma única vida. Mas sem bodhichitta eles não são diferentes dos métodos dos hereges. Os hereges também têm muitas práticas que envolvem meditação sobre divindades, recitar mantras e trabalhar com canais e energias; eles também se comportam de acordo com o princípio da causa e efeito. Mas é unicamente por não tomarem refúgio ou não fazerem surgir a bodhichitta que eles são incapazes de atingir a liberação dos reinos do samsara.

É por isto que o Geshe Kharak Gomchung disse, "De nada adianta tomar todos os votos, desde os de refúgio até os samayas tântricos, a menos que a sua mente tenha renunciado às coisas deste mundo. De nada adianta ensinar constantemente o Dharma aos outros, a menos que você possa pacificar o seu próprio orgulho. De nada adianta fazer progresso se você relega os preceitos do refúgio ao último lugar. De nada adianta praticar dia e noite a menos que você combine isto com a bodhichitta."


(Patrul Rinpoche, The Words of My Perfect Teacher)



As aparências exteriores dos tantras buddhistas parecem-se em um grau muito acentuado com as dos tantras hindus, mas na realidade há uma semelhança muito pequena entre eles, tanto na maneira subjetiva ou nas doutrinas filosóficas inculcadas neles ou nos princípios religiosa. Isto não é para ser admirado, já que os objetivos e objeções dos buddhistas são grandemente diferentes daqueles dos hindus. [...] O desenvolvimento no tantra feito pelos buddhistas e a extraordinária arte plástica desenvolvida por eles não deixou de criar também uma impressão na mente dos hindus, que prontamente incorporaram muitas idéias, doutrinas, práticas e deuses originalmente concebidos pelos buddhistas para a sua religião. A literatura, que segue pelo nome de tantras hindus, surgiu quase imediatamente depois que as idéias buddhistas tinham se estabelecido. [...] O tantra buddhista influenciou grandemente a literatura tântrica hindu, e por isto é incorreto dizer que o buddhismo era uma conseqüência do shivaísmo. Isto é sustentar, de outro modo, que os tantras hindus eram uma conseqüência do Vajrayana.
(Benoytosh Bhattacharyya, Introduction to Buddhist Esoterism)


[Os tantras] descrevem as várias categorias da mente ou consciência, das mais grosseiras às mais sutis. Os estados sutis da mente são mais poderosos e efetivos quando aplicados na prática espiritual. O nível mais grosseiro da consciência percebe as coisas pelos olhos, ouvidos, nariz, língua e corpo. [...] A não ser em estados extraordinários de meditação, a consciência mais sutil ou profunda manifesta-se quando estamos morrendo. Os níveis mais sutis de consciência também aparecem de maneira resumida quando começamos a dormir, terminamos um sonho, espirramos, bocejamos e durante o orgasmo.
(Dalai Lama, Como Praticar)
   

Muitos de nós desejamos praticar o caminho tântrico com a esperança sincera de atingir a iluminação completa o quanto antes possível. Para nos tornarmos completamente iluminados através da prática do tantra, entretanto, há algumas preliminares essenciais que precisamos praticar primeiro. Para ser verdadeiramente qualificado para praticar o tantra, precisamos cultivar os três caminhos — renúncia, bodhichitta (a mente altruísta da iluminação) e a sabedoria que realiza a vacuidade.

(Da introdução de Geshe Tsultrim Gyeltsen em Illuminating the Path to Enlightenment)


Sem o livre espírito de renúncia, [o praticante] ficará muito constringido para ser capaz de manter as disciplinas tântricas, por causa do desejo sensual e dos impulsos biológicos excessivos. Este pré-requisito de renúncia é particularmente importante nos tantras superiores, que são expressados com imagens sexuais. [...] [A segunda qualidade,] a grande compaixão da bodhichitta, é necessária para transformar a prática em uma causa de onisciência. Novamente, como muitas imagens das yogas dos tantras superiores são violentas, um praticante não saturado com grande compaixão pode ter facilmente uma idéia errônea. A terceira qualidade, um compressão correta da doutrina da vacuidade, é fundamental para a prática tântrica. Cada prática é começada, estruturada e terminada com uma meditação sobre a vacuidade. [...] Apesar de se dizer que o Vajrayana é um caminho rápido quando praticado corretamente sobre um base espiritual adequada, ele é perigoso para os espiritualmente imaturos. Este tipo de perigo é um dos motivos pelos quais o Vajrayana deve ser praticado sob a supervisão de um mestre vajra adequado.

(Dalai Lama, The Path to Enlightenment)



A importância de meditar sobre a vacuidade é universal entre as escolas do buddhismo tibetano. Na escola Nyingma, a prática do Dzogchen (particularmente as práticas de Trekchö e Tögal) incluem um processo preliminar que é descrito como encontrar a origem, a permanência e a dissolução da natureza da mente. A meditação sobre a vacuidade acontece no contexto desta busca. De modo similar, os ensinamentos Kagyü sobre o Mahamudra falam sobre a "unidirecionalidade", "transcendência de elaborações conceituais", "sabor único" e "além da meditação". Neste contexto, unidirecionalidade refere-se ao cultiva da permanência calma [sânsc. shamatha], onde a primeira parte do cultivo da transcendência de elaborações conceituais é realmente a meditação sobre a vacuidade. O ensinamento Sakya sobre o seltong sungjug refere-se à não-dualidade e à união da profundidade e claridade — profundidade refere-se aos ensinamentos sobre a vacuidade, claridade refere-se à natureza da mente. Na Gelug, precisamos cultivar a sabedoria da vacuidade em conjunção com a experiência de êxtase no contexto da prática de cultivo da sabedoria que é a união indivisível de êxtase e vacuidade. Em todas as quatro escolas, a vacuidade que é ensinada é aquela que Nagarjuna apresentou em sues Fundamentos do Caminho do Meio. A apresentação da vacuidade de Nagarjuna é comum tanto ao Paramitayana quando ao Vajrayana. No Vajrayana, entretanto, uma prática única coloca ênfase específica sobre o cultivo da experiência subjetiva da sabedoria da vacuidade; a vacuidade que é o objeto é comum tanto ao sutra quanto ao tantra.
(Dalai Lama, Illuminating the Path to Enlightenment)

A moralidade da liberação individual [sânsc. pratimoksha] é praticada principalmente ao se evitarem ações físicas e verbais que prejudiquem os outros. Esta prática é chamada de "individual" porque fornece um meio para que as pessoas possam se mover para além da rotina repetitiva de nascimento, envelhecimento, doença e morte, que os buddhistas chamam de existência cíclica ou samsara. A moralidade da consideração pelos outros [sânsc. bodhichitta] — chamada moralidade dos bodhisattvas (seres essencialmente preocupados em ajudar os outros) — é praticada principalmente ao não deixar a mente cair no egocentrismo. Para os praticantes da moralidade do bodhisattva, o ponto essencial é evitar a auto-indulgência, mas também evitar as ações nocivas do corpo e da fala. A moralidade do tantra [sânsc. samaya] está centrada em técnicas específicas do corpo e da mente para ajudar os outros. Ela fornece um meio para evitar e, assim, transcender nossa percepção limitada de nossos corpos e mentes, de modo que possamos nos perceber irradiando sabedoria e compaixão.
(Dalai Lama, Como Praticar)


A abordagem hinayana envolve manter disciplina perfeita e cessar o comportamento de um modo que causa mal a si mesmo e aos outros. Isto protege o praticante de obstáculos e distrações e permite a meditação unidirecionada. A abordagem Mahayana envolve praticar a compaixão para todos os seres assim como meditar sobre a vacuidade profunda. Estes dois são feitos simultaneamente. Sobre a base do estado altruísta da mente, ou bodhichitta, praticamos as seis perfeições — generosidade, ética, paciência, perseverança entusiástica, meditação e sabedoria. A abordagem Vajrayana é um modo de transmutação que purifica todas as atividades — emoções, ilusões impuras — e nos permite rapidamente alcançar a iluminação com as meditações dos estágios de geração e completude.
(Kalu Rinpoche, Luminous Mind)


[Segundo o Vajrayana,] no primeiro giro da roda [do Dharma], em Varanasi, ele [o Buddha] ensinou as Quatro Verdades Nobres comuns tanto ao Hinayana quanto ao Mahayana. No segundo, em Rajagriha, ou Pico do Abutre, ele expôs os ensinamentos Mahayana sobre a verdade absoluta — a verdade vazia de características e além de todas as categorias conceituais. Estes ensinamentos estão contidos no Prajnaparamita Sutra em Cem Mil Linhas. O terceiro giro da roda, [realizado] em vários tempos e lugares diferentes, foi devotado aos ensinamentos últimos do Vajrayana, ou veículo adamantino.
(Do comentário de Dilgo Khyentse Rinpoche em The Heart Treasure of the Enlightened Ones)

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